Por Gustavo Moreira:
Tem sido uma postura comum a muitas correntes de direita na contemporaneidade o descarte de qualquer conexão entre o liberalismo conservador e o nazifascismo. Ainda que governos como o de Silvio Berlusconi reúnam em seu seio neoliberais e fascistas pessimamente disfarçados, continua a prosperar a mitologia que apresenta as ditaduras de extrema-direita do período entre 1922 e 1945 (não reconhecidas enquanto direita, mas sob o rótulo de "totalitárias") como bárbaras agressoras do capitalismo liberal.
Um livro de Donald Sassoon, professor de História Comparada da Europa na Universidade de Londres, ajuda a arruinar a falácia, demonstrando que Mussolini, em seu processo de seqüestro do Estado italiano, contou com o apoio não apenas de conservadores tradicionalistas, militaristas e autoritários, mas também com o de ferrenhos adeptos do laissez-faire.
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Foi somente a esta altura, pouco mais de um ano antes da “Marcha sobre Roma”, que Mussolini aparentemente traçou um plano. Era importante estabelecer vínculos com as diferentes forças políticas e sociais que realmente importavam no país: a monarquia, a Igreja e os industriais. E ele tratou de instituir a paz com cada uma delas.
Os primeiros a ser tranqüilizados foram os industriais. Em um de seus raros discursos na Câmara dos Deputados em 1921, Mussolini declarou que a política econômica fascista seria liberal e não socialista, embora o fascismo não fosse liberal, tampouco nacionalista, democrata ou católico. O fascismo era o fascismo, disse ele com ar decidido. “Essa identificação é um sinal de força (...) o fascismo está destinado a representar na história italiana uma síntese entre AS TEORIAS INDESTRUTÍVEIS DO LIBERALISMO ECONÔMICO e as novas forças do universo do trabalho”. Até pouco tempo antes, escrevera ele em fevereiro de 1922, a esquerda representava a mudança e a direita representava a reação e o conservadorismo, mas os fatos tinham mudado. Terminara a era da esquerda e da democracia (1848 a 1920). Se o século XIX fora o século da revolução, o século XX seria o da restauração. A democracia saía de cena. O capitalismo já não precisava dela: “Acabara a orgia da indisciplina”.
Como reagiram os industriais diante de Mussolini? Em 1922, depois da “Marcha sobre Roma” e da nomeação de Mussolini para a chefia do governo, a maioria deles deu boas vindas ao fascismo, assim como a maior parte do establishment liberal. Mas será que o fizeram porque eram burgueses ricos, dando-se conta de que os fascistas ficariam ao seu lado? O capitalismo italiano efetivamente precisava de um governo autoritário e forte? Afinal, os industriais nem sempre têm os mesmos interesses. Uns eram a favor do protecionismo e da intervenção do Estado; outros, do laissez-faire e mercados desregulados. Entretanto, como a produtividade italiana era inferior à dos concorrentes estrangeiros, todos queriam salários baixos. Havia, portanto, bons motivos para se posicionar contra greves, sindicatos e socialistas, alinhando-se com aqueles que reprimiam greves, incendiavam as propriedades dos socialistas e consideravam como traidores os trabalhadores filiados a sindicatos. No que dizia respeito aos industriais, todavia, o período de emergência, no qual os socialistas tornavam-se mais fortes e os trabalhadores ocupavam fábricas, chegara ao fim. Em 1921, os “vermelhos” tinham sido derrotados.
Durante a guerra, a maioria dos empresários, especialmente nos setores da indústria química e do aço, tinha se posicionado a favor da intervenção, apoiando financeiramente a imprensa intervencionista, até mesmo a de Mussolini. Seu Il Popolo d’Italia efetivamente recebeu ajuda, mas não de maneira significativa, e em 1920 o jornal enfrentava dificuldades financeiras. Os industriais ainda não confiavam em Mussolini, pois sabiam que fora socialista e ainda usava uma retórica socialista. Mussolini deu-se conta disto, tratando, em 1921, de adaptar sua linguagem para o liberalismo econômico e abandonar os princípios de intervencionismo estatal até então apregoados por ele. Em 1922, para todos os efeitos, aderira plenamente ao liberalismo econômico, sendo elogiado por um intransigente liberal em matéria econômica como Luigi Einaudi, que no dia 7 de junho de 1922 acusou o prefeito de Bolonha de bolchevismo por tentar conter a violência fascista.
O Corriere della sera e Einaudi ficaram igualmente impressionados com o discurso pronunciado por Mussolini em Udine, a 20 de setembro de 1922, quando declarou:
“QUEREMOS RETIRAR DO ESTADO TODOS OS SEUS PODERES ECONÔMICOS. Basta de ferroviários estatais, carteiros estatais, seguradores estatais. Basta desse Estado mantido à custa dos contribuintes e pondo em risco as exauridas finanças do Estado italiano. A polícia deve permanecer, pois protege as pessoas honestas de ladrões e malvados; o educador estatal deve permanecer, em benefício das novas gerações; as Forças Armadas devem permanecer, pois protegem as fronteiras da Pátria; e a política externa deve permanecer”.
Mas não era uma posição inteiramente nova. No dia 6 de abril de 1920, em artigo sobre a economia de tempo à luz do dia publicado no Il Popolo d’Italia, Mussolini lançara-se numa invectiva antiestatal de traços nitidamente liberais, embora na época praticamente ninguém o percebesse:
“Também sou contrário ao novo horário legal porque ele representa mais uma forma de intervenção e coerção do Estado (...) Começo com o indivíduo e me volto contra o Estado (...) O Estado, com sua enorme máquina burocrática, é asfixiante. O indivíduo podia tolerar o Estado quando era simplesmente um soldado ou um policial. Mas agora o Estado é tudo: banqueiro, fornecedor de créditos, proprietário de cassinos, cafetão, segurador, carteiro, ferroviário, empreendedor, industrial, professor (...) O Estado controla tudo, causando apenas danos: cada uma de suas atividades é um desastre”.
Em 1922, naturalmente, todos prestavam atenção a cada palavra de Mussolini. Ettore Conti era um industrial burguês, e se orgulhava disso. Em 1922, era também senador e presidente da associação dos industriais (a Confindustria). Até o fim de 1921, Mussolini não é mencionada em seu diário. No início de 1922, contudo, ele registrava como visível satisfação que as massas italianas finalmente pareciam ter-se imbuído do adequado espírito patriótico, que o mito de Lenin já não era tão forte nelas e que reagiam contra o socialismo e a violência socialista. Isto se devia em parte, considerava ele, a Mussolini e seus partidários fascistas:
“Um homem dessa magnitude, que defende os frutos da vitória; que se posiciona contra as ligas camponesas que maltratam e ameaçam os proprietários, seus bens e suas colheitas; que é inimigo daqueles que pretendem estabelecer o domínio da Foice e do Martelo; QUE CONFIA MAIS NAS ELITES QUE NAS MASSAS, não é alguém que desagrade à Confederazione Industriale (...) Espero que ele e os fascistas participem de um governo de maior autoridade do que o do fraco [Luigi] Facta.”
E quando Mussolini finalmente foi nomeado primeiro-ministro, Conti escreveu: “Se ele conseguir esquecer de onde veio e obter o apoio de outros partidos, será capaz de beneficiar o país”. Ele certamente se sentiria reconfortado com a famosa entrevista de Mussolini ao Manchester Guardian, uma semana antes da Marcha, que parecia selar a aliança entre o fascismo e o liberalismo econômico. Seu tom era tranqüilizador: “Nossas políticas serão completamente liberais”. Um governo fascista inauguraria uma nova era de liberdade econômica, gastaria menos e receberia mais, mantendo equilibrada a balança de exportações e importações. MESMO QUE OS ITALIANOS TIVESSEM MENOS PARA COMER, OS GASTOS PÚBLICOS SERIAM REDUZIDOS AO MÍNIMO.
(SASSOON, Donald. Mussolini e a ascensão do fascismo. Rio de Janeiro: Agir, 2009, pp. 114 a 118)
sexta-feira, 15 de maio de 2009
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Amiga da direita: a igreja!!
ResponderExcluirhttp://anticlerical.multiply.com/photos
confira as fotos!
É impressionante o quanto uma criatura fanatizada e mentirosa seja capaz de falsificar até um bom livro, como é o caso de Donald Sasson. O Sr. Gustavo apenas pegou trechos desencontrados do livro para adaptá-los aos seus preconceitos políticos. Que embusteiro vulgar de marca maior!
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